Mandalas Terapêuticas: um recurso para saúde mental
Como a arte pode contribuir para o bem-estar emocional e mental.
“O desenho é uma busca de cura. Traz a luz todos os elementos dispersos e também tenta ajuntá-los no vaso. A ideia de receptáculo é arquetípica. É encontrada em toda parte, sendo motivo central de quadros inconscientes. É a ideia do círculo mágico desenhado em volta de alguma coisa que deve ser impedida de fugir ou deve ser protegida. ”
Carl Gustav Jung
Falta de ar, angústia no peito, formigamento no corpo, dificuldade para dormir e outros sintomas têm sido comuns nesse período pelo qual estamos atravessando.
Embora todos nós saibamos da existência das crises de ansiedade e síndrome de pânico, reconhecer que o que estamos vivenciando pode ser algo assim, leva tempo.
Primeiro porque muitas vezes não estamos familiarizados com este tipo de doença e depois porque ainda temos muitos preconceitos associados à Saúde Mental.
Como Arteterapeuta, observando centenas de Mandalas de pacientes, alunos e colegas, o que mais me intriga é o espanto que a pessoa manifesta à medida que vai se dando conta, através da imagem que acabou de desenhar, que algo está fora dos limites, intenso demais, confuso, apertado, sem espaço, angustiante ou o que mais estiver ali tão declarado em cor e formas.
A Mandala é uma ponte entre o mundo interno da pessoa e o seu dia a dia.
Como a linguagem para criá-la é não-verbal e muitas vezes quem está desenhando não tem conhecimento algum de técnicas artísticas e nenhuma preocupação estética, aquele estado interno mais desorganizado pode se manifestar sem censura ou tentativa racional de controle.
Se dar conta que algo não vai bem, é o primeiro passo para tomarmos providências efetivas e cuidados adequados.
Num momento de pandemia mundial, além da necessidade de mantermos a saúde física individual e social, cuidar da saúde mental é tão importante quanto. No entanto, é difícil cuidar daquilo que não sabemos exatamente o que é.
Afinal, o que é Saúde Mental?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se de estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade.
Desta forma, ter saúde mental está longe de ser só a falta de transtornos mentais. O conceito é amplo e tem relação direta, entre tantos fatores, com a nossa capacidade de sensação de bem-estar e equilíbrio, o reconhecimento e respeito aos próprios limites e aos limites dos outros, a habilidade em gerenciar de forma saudável os conflitos que surgem e nossa capacidade de interação com as outras pessoas.
Tudo isso é maior e anterior ao início de qualquer transtorno mental. Muitas vezes, a incapacidade de lidarmos com o turbilhão de emoções que nos atravessam é que desencadeia doenças mentais, que precisam inclusive serem olhadas sem preconceitos como qualquer outra enfermidade que requer diagnóstico, tratamentos adequados, respeito e gerenciamento.
Grande parte da sociedade ainda carrega este preconceito, especialmente se considerarmos a história do transtorno mental e suas associações ao mal, ao descontrole, ao inatingível e tenebroso que deve ser afastado.
Além disso, associar sintomas relevantes de ansiedade ou pânico a uma simples fragilidade do sujeito ou a uma incapacidade de lidar com a atual crise pandêmica, é reduzir a real dimensão do vivido.
Na contemporaneidade são inúmeros os fatores que nos fazem sentir o mal-estar pelo qual a nossa civilização está passando. Estamos mais desorganizados, demoramos para pedir ajuda, e em muitos casos, familiares, amigos, colegas de trabalho envolvidos em seus próprios desafios não conseguem perceber pedidos de ajuda.
Mas como cuidar melhor da nossa Saúde Mental?
O envolvimento com a arte pode ser muito benéfico tanto para saúde mental quanto para saúde física.
Segundo relatório divulgado pela OMS, Organização Mundial da Saúde, em novembro de 2018, (considerada a análise mais abrangente sobre o assunto até o momento), podemos concluir que trazer arte para a vida das pessoas através de várias modalidades como dança, canto, cinema, desenho, pintura, é oferecer uma dimensão adicional na melhoria da saúde física e mental de todos.
Esta descoberta não é inédita, uma vez que psiquiatras, psicólogos/as, educadores/as desde o começo do século XX, dedicaram-se não só a oferecer esta possibilidade aos seus pacientes e alunos com o intuito de contribuir com o pleno desenvolvimento de cada um, como analisaram profundamente este material artístico e estabeleceram importantes relações, associações, consolidando assim, teorias que vinculam a arte como propulsora de mais saúde física e men tal em áreas distintas do conhecimento.
Um dos trabalhos que merece destaque por contribuir ainda de forma mais específica para saúde mental é a pesquisa e prática do Psiquiatra e Psicólogo suíço Carl Gustav Jung sobre as Mandalas.
O termo Mandala tem origem no sânscrito, língua falada na Índia antiga e significa literalmente círculo. Tradicionalmente são instrumentos de meditação, que possibilitam um processo de introspecção e atenção plena.
Com o uso terapêutico, as Mandalas foram trazidas para o ocidente pelo próprio Dr. Carl Jung que além de desenhar uma Mandala por dia durante quase 20 anos, usou este recurso no processo com seus pacientes.
Mas o que são Mandalas Terapêuticas?
Desenhos feitos dentro de um círculo com qualquer material são considerados uma Mandala.
Embora o ato de desenhar, colar e pintar seja terapêutico, para que estas Mandalas sejam consideradas terapêuticas precisam atender a dois aspectos principais:
- Serem criadas de forma espontânea e não só com o uso de régua, transferidor, compasso. Isso as tornaria Mandalas geométricas.
- Ter-se a intenção clara, desde o início do desenho, de que a Mandala criada estará a serviço da autodescoberta, do autoconhecimento. Uma vez criadas, podendo-se observar estes critérios, tudo que estiver desenhado dentro de círculo, estará a serviço do bem-estar da pessoa.
Dentro de uma Mandala Terapêutica, mesmo quando o desenho revela aspectos desafiadores de quem está desenhando, o fato de poder expressar em cores e formas conteúdos desafiadores que nem sempre são possíveis de serem verbalizados ou mesmo emoções tóxicas, promove uma liberação de tensão, gera alívio e principia um movimento psíquico natural que busca um maior equilíbrio interno.
Sobre este aspecto, Jung assim descreve a Mandala:
Como já disse, Mandala significa círculo. Há muitas variações do tema aqui representado, mas todos se baseiam na quadratura do círculo. Seu tema básico é o pressentimento de um centro da personalidade, por assim dizer um ponto central no interior da alma, com o qual tudo se relaciona, pelo qual tudo é organizado, e que é em si mesmo uma fonte de energia. ”
No Brasil o valor do trabalho com arte para saúde mental foi muito difundido pela Dra. Nise da Silveira, Psiquiatra pernambucana que no ano de 1946 juntamente com o artista plástico Almir Mavignier, funda o ateliê de pintura e modelagem da sessão de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro.
Ali, propõem um inovador tratamento psiquiátrico. De forma espontânea, muitos dos pacientes num impulso natural de busca de reorganização interna, sem conhecimento prévio algum sobre as Mandalas, criaram essas imagens circulares
Em 1954, Nise uniu fotografias de algumas destas Mandalas e enviou-as com uma carta que escreveu diretamente para Carl Jung. Ele em resposta, confirma a Dra. Nise que se trata de Mandalas e assim passam a estabelecer uma relação profissional por correspondência, até o momento em que se encontraram pessoalmente tanto na residência de Jung, como no Congresso Internacional de Psiquiatria realizado em 1957, em Zurique.
Desde o encontro entre Carl Jung e Nise da Silveira muito conhecemos sobre o valor e impacto deste recurso para saúde mental.
“A configuração de Mandala harmoniosa, dentro de um molde rigoroso, denotará intensa mobilização de forças auto curativas para compensar a desordem interna. ” Nise da Silveira
Outra importante referência neste campo, é Joan Kellog, Arteterapeuta americana que nos anos 70 trabalhou juntamente a Satnislav Grof, Psiquiatra tcheco, no Centro Psiquiátrico de Maryland.
Kellog catalogou as Mandalas espontâneas que eram produzidas pelos pacientes e criou um teste com Mandalas, fruto de muitos anos de estudo, comparando análise de cores, formas e símbolos com a bateria de testes psicológicos que eram aplicados.
Este teste passou a ser aplicado para saber se os pacientes poderiam participar do tratamento específico que propunham na época.
Uma de suas alunas, Suzanne Fincher, americana, Arteterapeuta Junguiana, trabalha há quarenta anos com este recurso e é autora de vários livros sobre o assunto. Tive o prazer de participar de algumas formações por ela oferecidas nos Estados Unidos.
Fincher faz questão de afirmar que quando criamos uma Mandala, estabelecemos uma espécie de espaço sagrado, um lugar seguro, protegido para expressarmos nossos conflitos e desafios internos e que é natural do próprio recurso, acolher paradoxos, juntar opostos, o que propicia que experimentemos não só um alívio, mas possamos nos sentir mais inteiros. Ainda sobre as Mandalas, afirma:
“A Mandala é uma presença viva na minha vida. Eu desenho, estudo e aprendo com as minhas Mandalas e com as das pessoas com quem compartilham comigo a própria evolução. Elas têm sido um lembrete de que a vida continua e que sua maior celebração é a doação sincera ao viver. ”
Trabalhando com este recurso há quase trinta anos, tanto na minha vivência pessoal, bem como em setting terapêutico, empresas, instituições, ministrando cursos livres e formação, ainda me surpreendo com a forma rápida e espontânea como reagimos ao círculo.
Diante do aumento expressivo de casos de crises de ansiedade, síndrome de pânico e depressão, que como já sabemos, vinham ocorrendo muito antes da pandemia, percebo o quanto a arte de criar Mandalas espontâneas, alivia sintomas, organiza a pessoa internamente e ainda oferece a possibilidade para que a pessoa enxergue e reflita sobre o que se revelou.
Dar-se conta através de uma imagem de seu próprio estado interno é algo muito poderoso. Ainda que tentemos nos defender do que estamos vendo, o processo de autoconhecimento já está em curso, e não é possível, voltar atrás.
E, ainda mesmo que a negação, mecanismo que constatamos estar presente em tantas pessoas diante de desafios importantes surja, ter algo concreto à sua frente ajuda a encararmos os fatos como eles se apresentam naquele instante.
A Mandala Terapêutica traz em si uma capacidade de síntese, revela vários aspectos de uma só vez, na mesma imagem. Refletir a partir deste todo, abre espaço para que a pessoa considere estar lidando com algo mais grave, fato que no nosso dia a dia acabamos não conseguindo, uma vez que, por exemplo, entre um pequeno episódio de ansiedade e outro, muitas coisas acontecem e nem sempre conseguimos ter a visão ampla de como a situação está se intensificando dentro de nós.
Crises de ansiedade tem graus e dependendo da situação: alimentação, exercícios físicos, arte, meditação e outros cuidados podem ser suficientes para reverter o quadro. No entanto, quando estas crises se tornam recorrentes, escalam para um transtorno de ansiedade ou mesmo uma síndrome do pânico, é necessário buscar suporte médico.
Myrian Romero é Arteterapeuta, pós-graduada em Gestão Emocional nas empresas pelo Hospital Albert Einstein e Santa Bárbara Institute e em Psicologia Transpessoal pela Alubrat.
Atua em ambiente terapêutico há quase 30 anos e é professora de programas de pós-graduação. Fundadora e coordenadora do Ceimas, Centro Internacional de Mandala, Arte e Simbolismo.
Otimo texto. Vou ler novamente, pois contem muitos ensinamentos que não se pega de uma vez.
Boa noite
Comecei o curso de arte terapia e gostaria de informações sobre o curso de vocês
Ótimos esclarecimentos.O complicado é decodificar as mensagens. Mas agradeço .Abraços querida .
Muito interessante o que proporciona a descoberta de uma mandala
Adorei o artigo! Esclarecedor e didático!